Psicodélico: Fé na proibição de drogas não se discute

terça-feira, 28 de junho de 2011

Fé na proibição de drogas não se discute

Fonte : http://www.pliber.org.br/Blog/Details/100


TEXTO DE CAIO MAGNO, RENATO DRUMOND E BERNARDO SANTORO.

No dia 21/06/2011, o Prof. José Theodoro Correa de Carvalho publicou um texto no Correio Braziliense intitulado: “Descriminalização das drogas: é o que a sociedade quer?”. Mesmo com o currículo e gabarito do professor, o texto possui algumas falácias que devem ser constestadas:

(i) “De fato, o sistema repressivo não tem o poder de coibir integralmente a prática do tráfico de drogas, mas isso também ocorre em relação aos demais crimes, como roubos, homicídios etc. e ninguém pensou em liberá-los.”

Tráfico de drogas não constitui uma conduta que viola bens jurídicos idênticos aos atingidos pelo roubo, homicídios e demais crimes. De fato, uma venda livre de drogas respeitaria o direito à vida e propriedade tanto do comprador quanto do vendedor, visto que são livres para transacionar quaisquer bens, desde que terceiros não sejam prejudicados.

O problema é que o professor enxerga a questão criminal por uma perspectiva coletiva, como se a sociedade tivesse um bem jurídico ofendido no momento dessa transação, o que não é verdade, pois ninguém tem o direito de se ofender com uma conduta que só afeta indivíduos livres. O autor, em última análise, está argumentando que a vontade da maioria tem essência própria ou se consiste do somatório de todas as vontades, como se a sociedade fosse um ente autônomo vivo. Não é. Apenas seres individualizados são seres vivos. A existência surge e sobrevive graças à Individualidade. Massificar as vontades implica destruí-las.

No momento em que o estado proíbe o uso das drogas, extingue o Direito que as pessoas têm de fazerem as próprias escolhas e assumirem riscos. Brincar de babá acarreta desastres para todos.

(ii) “Por seu turno, se a venda de drogas fosse regulada, controlada e tarifada, é certo que haveria limites de idade para compra e de toxidade para as drogas e preço mais alto, o que indica que seguiria existindo um mercado paralelo, controlado pelos traficantes, para venda de drogas mais fortes e mais baratas. O problema da criminalidade continuaria existindo e a facilidade de acesso às drogas levaria ao aumento do número de consumidores.”

O autor aqui traz uma série de hipóteses futurísticas sem explicar o porquê que tal catástrofe ocorreria.

De fato, o que aconteceria seria o contrário. Em um livre mercado de drogas, as drogas mais leves seriam tão baratas que não faria sentido para um vendedor de drogas vender as mais caras e destrutivas. Afinal, não há interesse do vendedor de drogas em vender drogas que destroem sua clientela. O caso do crack é o mais claro. Um papelote de cocaína é em média dez vezes mais caro que o crack, sendo este último um subproduto da coca. Se um papelote de cocaína e uma pedra de crack passassem a valer a mesma coisa, o vendedor de drogas automaticamente deixaria de vender o crack, pois a cocaína, muito menos nociva, seria mais vantajosa para todos os lados desse comércio.

O autor não logra êxito em refutar argumentos sólidos e ainda traz afirmações vazias que não podem convencer ninguém.

(iii) “Outra hipótese seria a liberação apenas do consumo individual de todas as drogas. Apesar de parecer correto afirmar que cada um tem o direito de fazer o que quiser com o próprio corpo, consumindo, inclusive, produtos nocivos à saúde, essa regra não é absoluta.”

Por que não é absoluta? Se algum dia o governo baixar um decreto dizendo que todos os promotores de justiça passam a ser escravos, talvez o professor/promotor entenda que o direito de propriedade sobre o próprio corpo é absoluto.

(iv) “Quando se trata do consumo de drogas que alteram o funcionamento do cérebro, mudando comportamentos, gerando adicção e tolerância, não pode haver liberdade absoluta, visto que o vício provoca compulsão incontrolável pela próxima dose.”

O professor aqui parte do pressuposto que uma sensação de prazer provoca compulsão incontrolável e por isso deve ser banida. Nesse caso, ele parece advogar o fim do sexo, do consumo de álcool, de jogos eletrônicos, de uma boa conversa com seu amigo, entre outras coisas, porque isso causa dependência. Esse argumento não faz o menor sentido.

De fato, o que ocorre é o contrário, de acordo com a lei de utilidade marginal decrescente. Talvez o professor de direito precise ler um pouco sobre economia e a revolução marginalista.

(v) “Não bastasse isso, a droga produz mudanças de comportamento que criam riscos para o usuário e para outras pessoas que o circundam (doenças, acidentes, crimes, etc). Percebe-se, portanto, que a droga retira justamente o que seria a justificativa para se permitir o consumo: a liberdade. Quem é viciado em drogas perde a liberdade de escolher o próprio destino e passa a ser controlado pelo vício. Como afirma Paulo Coelho no filme Quebrando o tabu, a droga mata a coisa mais importante de que você vai precisar na vida, que é o poder de decidir.”

Seguindo essa argumentação fascista que defende retirar um pouco de liberdade – Liberdade pode ser quantificada? – para que a própria seja preservada, conquanto não constitua um completo paradoxo, cabe questionar qual a legitimidade que um sistema sem legitimidade derivada da delegação voluntária tem para defender o indivíduo de si mesmo.

Qual o custo social que essa ação estatal de proteger alguns indivíduos de suas próprias imprudências tem para todos os demais indivíduos prudentes? Quanto custa a repressão? Quanto o estado tem de roubar (art. 157 do CP se aplicaria como uma luva!) de todos os indivíduos prudentes, que não assumem riscos desnecessários, para proteger uns tolos – ou não – que se aventuram por passagens escuras? Milhões? Bilhões? Que fosse apenas um centavo. Nosso sistema protege os inescrupulosos em detrimento daqueles que sobreviveriam à Lei Natural.

(vi) “Manter o consumo proibido parece a solução mais adequada.”

Com base em premissas falsas, pode-se concluir qualquer coisa.

(vii) “Nenhum país do mundo liberou o consumo de drogas.”

Em que ano esse texto foi escrito? Vários países já liberam o consumo de drogas e são bem-sucedidos moral e economicamente. A propósito, será que precisaremos dissecar o conceito de drogas? Durante certa época, os EUA consideraram o álcool uma droga ilegal, e sua Lei Seca, vigente entre os anos de 1920 e 1933, foi uma política tão desastrosa que nunca mais se pensou em proibir a venda de álcool novamente. Está na hora dos governos refletirem sobre esse exemplo.

(viii) “No Brasil, 76% da população quer a proibição das drogas” (Datafolha/Folha de S.Paulo, 28.2.2010).”

Aqui o autor defende a ditadura da maioria. Será que esses três quartos da população continuaram a impor o zelo pela vida do próximo quando soubessem quanto têm de pagar para que o estado faça isso? Quando souberem que um preso custa milhares de reais por cada mês que permanece preso? Quando souberem quanto custa um minuto de atividade do Judiciário?

De fato, se a maioria quisesse matar o autor do criticado texto sem nenhuma razão prática, acho que o professor mudaria de ideia sobre a legitimidade da vontade da maioria sobre a soberania do indivíduo.

(ix) “Se os governos permitissem ou regulassem o uso das drogas, como ocorre com o álcool, certamente, o número de consumidores aumentaria assustadoramente, pois a percepção do risco deixa de existir. Para que se tenha uma ideia, aproximadamente 75% da população brasileira já provaram álcool, contra menos de 9% que fizeram uso da maconha (Senad, 2005)”

Não se pode concluir nada com esses dados. Pode-se, no máximo, supor e, mesmo assim, sem utilidade científica nenhuma. Como uma de suas fontes costumava afirmar em uma campanha publicitária: “É possível dizer um monte de mentiras, falando-se apenas verdades”.

(x) “A solução do problema das drogas virá das pesquisas médicas e da prevenção, enquanto a descriminalização poderia provocar problemas muito mais sérios, como uma epidemia de consumo de drogas. Não é necessário descriminalizar qualquer conduta para que a prevenção e o tratamento sejam aperfeiçoados, enquanto, paralelamente, são realizadas ações de redução da oferta. Afinal, quanto menos droga houver, melhor para a qualidade de vida de todos.”

O professor parece se focar apenas nos danos provocados pelo consumo de drogas, mas se esquece dos danos provocados pela proibição. A legalização das drogas visa a eliminar os problemas criados pela proibição, não os decorrentes do seu uso.

Portanto, desse artigo, só podemos concluir que o professor tem uma fé, a fé de que a proibição de drogas é o melhor caminho para... nada! O professor não possuiu um objetivo claro com esse texto. Ele busca uma sociedade melhor? Melhor na visão de quem? Certamente não é uma sociedade mais livre. Logo, a sociedade de proibições e de robôs do professor é uma sociedade pior.

Mas, como dizia o ditado popular: Fé não se discute.

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