Psicodélico: Palestra de Jeremy Narby (baseada em seu livro Cosmic Serpent: DNA and the Origins of Knowledge )

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Palestra de Jeremy Narby (baseada em seu livro Cosmic Serpent: DNA and the Origins of Knowledge )

Inteligência Natural




Boa noite. Sou um antropólogo; isso significa, estudo pessoas. Em 1984 me
embrenhei na Amazônia peruana, novato, direto dos subúrbios e da biblioteca. Não
possuía nenhuma experiência prévia a respeito da floresta tropical ou de seus
habitantes indígenas. Voltando no tempo, especialistas afirmavam que para se
desenvolver a Amazônia, você deveria eliminar da floresta seus habitantes indígenas e
derrubá-la, no intuito de explorar seus recursos naturais . Eles afirmavam que os índios
não sabiam como utilizar os recursos racionalmente, e confiscar suas terras era
economicamente justificável. Como um jovem antropólogo, eu queria estudar como o
povo ashaninca vivia no meio da Amazônia peruana e utilizavam a floresta, no intuito
de demonstrar que eles utilizavam seus recursos racionalmente, e, portanto, mereciam
e tinham o direito sobre sua própria terra. O objetivo era contradizer os bancos de
desenvolvimentos internacionais e tentar promover uma mudança na política. O povo
ashaninca com o qual eu convivi, acolheram e demonstraram-me o que eles sabem a
respeito da floresta. Torna-se notório que a Amazônia peruana é o local no mundo com
maior diversidade biológica. É o epicentro da biodiversidade mundial. Ela possui mais
espécies de mamíferos, árvores, répteis, anfíbios e pássaros do que qualquer local de
tamanho similar. Quando você anda pela floresta, você observa a mescla de espécies.
Na Amazônia peruana, os cientistas acharam mais (a música inicia) espécies de
formigas em uma única árvore do que em todas as ilhas britânicas; mais espécies de
árvores em um simples hectare do que em toda a Europa; mais espécies de pássaros
em um único vale do que em toda a América do Norte. É uma concentração de
biodiversidade, um local onde a vida é mais ativa e fértil, e você pode sorver-la, o ar é
almiscareiro, tal qual uma estufa.




Surpreendentemente, o ashaninca que me acompanhou pela floresta possuía os
nomes de quase todas as plantas, e atribuiu usos para metade delas. Eles utilizam
plantas como alimento, materiais de construção, cosméticos, tingimento e medicação.
Rapidamente, percebi que eles possuem quase um conhecimento enciclopédico das
propriedades das plantas. Eles conhecem plantas que aceleram a cicatrização de
ferimentos, curam diarréia, ou curam dores crônicas de costas. Eu mesmo utilizei esses
medicamentos quando necessários, somente para certificar-me que eles funcionavam.
Logo, comecei a perguntar aos meus consultores ashanincas como eles sabiam a
respeito das plantas. Suas respostas foram enigmáticas. Disseram que o conhecimento
a respeito das plantas emana das próprias plantas, e os “ayahuasqueros”, tabaqueiros
ou xamãs, tomam uma infusão de planta alucinógena chamada ayahuasca, ou comem
tabaco concentrado, e falam em suas visões com as essências, os espíritos, que são
comuns a todas as formas de vida e são fontes de informações. Eles dizem que a
natureza é inteligente e fala com as pessoas por meio de visões e sonhos.
Bem, eu não levei muito a sério o que essas pessoas estavam me contando. Não
podia ser verdade, pois considerando que há informação verídica em suas alucinações,
tem-se a definição de psicoses. Era uma impossibilidade epistemológica. Além do
mais, isso contradizia o ponto central da minha pesquisa, demonstrar que essas
pessoas utilizavam seus recursos racionalmente.

Contudo, uma noite, após quatro meses nesta aldeia, eu estava nas proximidades
da vila bebendo chá de mandioca com alguns homens e questionando a respeito da
origem dos conhecimentos sobre plantas, quando um deles disse: “Irmão Jeremias, se
você quiser descobrir a resposta para sua pergunta, você deve beber ayahuasca, se
você quiser, eu poderei mostrar-lhe algum dia”. Ele a chamou de tele-visão da floresta,
ela permite que uma pessoa veja imagens e aprenda coisas.

Eu cresci na Suíça, onde o LSD é uma molécula indígena, portanto, eu já provei-o
várias vezes, e pensei que sabia tudo sobre coisas desse tipo. Logo, disse sim.
Algumas noites mais tarde, me encontrei com este “ayahuasquero” no tablado de uma
casa silenciosa, rodeada pelos sons da floresta. Ele administrou a ayahuasca, que é
uma infusão amarga, então, após um longo silêncio, ele começou a cantar na
escuridão, refrões de sons incompreensíveis e melodias levemente dissonantes.
Imagens apareceram na minha mente, e rapidamente me encontrei rodeado por
enormes serpentes fluorescentes de 13 metros de comprimento por um metro de
altura, realmente arrepiante, que começaram a conversar comigo por meio de uma
linguagem mental, contando-me coisas consideradas dolorosas a meu respeito. Elas
disseram, você é apenas uma existência humana, uma sensível existência humana. Eu
pude ver, olhando para elas, que estavam certas , que minha perspectiva materialista
possuía limites, iniciando pela pressuposição de que meus olhos mostravam-me coisas
que não existiam. E, pude ver que minha visão de mundo possuía uma arrogância
abismal, fazendo-me cair para frente de joelhos. Então, tive que vomitar – em
ashaninca, a palavra ayahuasca é kamárampi, do verbo kamarank, vomitar. A palavra
também significa cobra. Logo, me levantei, caminhei sobre as cobras fluorescentes, e
vomitei colorido, então me encontrei na escuridão, e transpus meu corpo acima do
planeta, que não era azul, sim branco, e coberto de gelo. Mas, assim que o xamã
mudou sua canção, eu retornei ao meu corpo, e vi centenas de milhares de imagens,
como veias de uma mão humana que lembravam imagens de sulcos de uma folha
verde; elas pareciam iguais. Havia muitas imagens, era difícil lembrar-me de todas
elas. Era como estar dentro de uma máquina de lavar.

No dia seguinte, tentei falar dessa experiência. Por um lado, ela confirmou o que
meus amigos ashanincas disseram. Você pode ingerir a ayahuasca sob a orientação
de um praticante treinado e aprender coisas. Eu aprendi que eu era insignificante e de
alguma forma, fazia parte da natureza. Eu olhei para a folha verde e em seguida para a
pele da minha mão, e descobri que éramos feitos da mesma matéria. A experiência
acima de tudo foi um antídoto à contemplação antropocêntrica da antropologia. Isso
demonstrou que as noções aparentemente fantasiosas dos meus amigos ashaninca
correspondem a algo poderoso, que passou diante da minha própria compreensão da
realidade. Foi maravilhoso. Como eu poderia falar para meus colegas a respeito disso
e ser levado à sério por eles? Experiências subjetivas de alucinógenos nativos não
eram conhecidas no âmbito das carreiras antropológicas, portanto, me acovardei. Voltei
as costas para este mistério e continuei minha pesquisa a respeito do uso dos recursos
ashanincas, mais um ano, então retornei à universidade, escrevi minha dissertação e
tornei-me um doutor em antropologia.

Os europeus chegaram à América há 500 anos atrás e começaram a despovoar as
terras. Segundo avançadas estimativas conservadoras de historiadores europeus,
quarenta milhões de indígenas morreram, do Alaska à Patagônia, à medida que os
europeus apoderavam-se do continente.

Alguns afirmam que este genocídio não foi deliberado, e culpam as doenças
contagiosas. Contudo, isso ignora os fatos da história. Europeus massacraram
populações inteiras. Gonzalo de Oviedo, o historiador oficial da Coroa Espanhola, disse
que ele viu mais mortes cruéis que as estrelas no céu. Ele nomeou esses homens de
“despovoadores”. Os europeus reduziram países inteiros à escravidão e trabalho, que
levou seus habitantes à morte. Conquistar a montanha de prata, Potosi, no Império
Inca. Essa prata da montanha originou e impulsionou o capitalismo, mas quatro entre
cinco trabalhadores morreram após um ano de trabalho forçado em Potosi. Nas
proximidades das minas de mercúrio de Huancavelica, a expectativa média de vida do
trabalhador era de três semanas. Historiadores estimam que mais de oito milhões de
pessoas morreram nessas minas.

Essa implacável conquista estendeu-se até o século 20. Nos anos 60 e 70, na
Amazônia, os índios eram definidos como “obstáculos pré-históricos ao progresso”, e
eles foram massacrados. Na Amazônia brasileira, 56 tribos foram varridas da face da
terra, somente no século 20. Foram 56 sociedades, línguas, formas de pensamentos
transformados em fumaça. Costumavam ser sete milhões de indígenas na Amazônia,
agora restou somente menos de um milhão.

O que podemos fazer com essa história? Não é sua culpa, não é minha, mas
estamos montados nela esta noite.

E acredite ou não, a religião cristã com sua forma missionária evangélica continua
a destruir as crenças dos índios amazônicos. Eu recentemente visitei muitas regiões
amazônicas, nas quais os últimos xamãs foram levados à morte pelos próprios
indígenas, por sugestão missionária. Muitos séculos após a inquisição, as pessoas
afirmam agirem em nome de Cristo, e continuam a erradicar o xamanismo.
O mundo industrial ameaça a diversidade biológica. Ele também ameaça a
diversidade humana. Das 6.000 línguas ainda faladas, metade não está sendo
ensinada às crianças. A cada duas semanas, uma língua desaparece juntamente com
os mais idosos de uma tribo. Lingüistas estimam que 3.000 línguas desaparecerão
durante este século, o que representa metade das palavras no mundo. Uma língua é
mais do que um conjunto de palavras; é uma forma de compreender o mundo. O que
está em perigo é o repertório da humanidade, por negociar com os desafios
desconhecidos do futuro. Tomados juntos, as culturas deste mundo representam um
vasto reservatório de conhecimento contendo as memórias de todos os mais velhos,
curandeiros, guerreiros, fazendeiros, pescadores, parteiras, poetas e visionários. Essa
é a expressão plena da experiência humana. A sociedade industrial possui somente
200 anos. Como uma simples cultura, com tão frívola história, possui todas as chaves
para a sobrevivência das nossas espécies?

Os europeus não inventaram a civilização. Os chineses possuíam a porcelana
quando os europeus ainda viviam na lama. Os hindus e os maias inventaram a
matemática, a qual os árabes aprimoraram. Agora é nossa responsabilidade cuidar da
diversidade humana com carinho, aproximar-se de outras formas de conhecimento e
realização, compartilhar nossa contemplação e experiência de outras culturas.

O ashaninca ensinou-me muitas coisas, algumas das quais levaram anos para
tornar-se compreensíveis. Contudo, uma coisa que eles conseguiram ensinar-me
rapidamente foi a idéia de que a prática é a forma mais avançada da teoria. Em
suas concepções, se uma idéia é boa, você pode colocá-la em prática. De outro
modo, é somente pura teoria, em outras palavras não vale muito. Isso me encoraja
a aplicar o que aprendi. Em 1989, consegui um emprego em uma ONG suíça que
promovia os direitos territoriais dos índios na Amazônia. Até então, este trabalho levou
a garantir cerca de 4 milhões de hectares às comunidades indígenas, que é uma área
equivalente à 1% da floresta amazônica. Isso também me permitiu visitar pessoas de
muitas sociedades indígenas, não somente os ashanincas, mas os aguaruna, shipibo,
shawi entre outros. E durante estas viagens, pude perguntar como eles aprenderam a
respeito das plantas. Todos eles deram-me prontamente a mesma resposta: o
conhecimento à respeito das plantas vem dos ayahuasqueros e tabaqueiros, que
ingerem suas misturas de plantas e falam em suas visões com as essências comuns a
todas as formas de vida. Você compreendeu? Sim, compreendi. Mas o que significa?
Isso foi um mistério: aqui as pessoas vivem na maior localidade de diversidade
biológica no planeta; seus conhecimentos empíricos a respeito das plantas são agora
amplamente reconhecidos pela ciência e indústria; eles ainda afirmam que a maior
parte deste conhecimento surge das alucinações de seus xamãs. O que isso poderia
significar?

Em 1992, fui à Conferência da Terra, no Rio, e descobri que todos falavam a
respeito de conhecimentos de botânica dos povos indígenas, mas ninguém falava da
origem alucinatória de parte deste conhecimento, como os povos indígenas a
debatiam. Então, decidi aprofundar-me na questão.

Após meses de leitura e reflexão, comecei a enxergar coerência nas práticas
xamãnicas mundiais. Todos os xamãs trabalham em estados de transe que alcançam
de distintas formas, não necessariamente por meio de plantas alucinógenas.Todos os
xamãs os acompanham por uma música. Primeiramente, em especial, os xamãs
realizam as músicas, tanto cantadas ou por meio de instrumentos. Os xamãs ao redor
do mundo associam as essências, ou espíritos, a uma forma que os historiadores de
religião chamam de axis mundi, o eixo do mundo, que está formatado tal qual uma
escada trançada , ou duas vinhas entrelaçadas , ou uma escada em espiral , as quais
eles as descrevem como sendo extremamente longas, tão longas que unem o céu à
terra.

Procurando compreender essas noções a partir de um ponto de vista racional,
achei correspondentes diretos com a biologia contemporânea. O DNA, uma molécula
informacional no centro de cada célula, a estrutura e a função que foram descobertas
em um laboratório inglês há 51 anos atrás; essa se faz comum a todas as existências
humanas, e está formatada precisamente tal qual uma escada trançada. Esta forma
explica a função da molécula. Está configurada como dois cordões complementares
envolto um ao redor do outro, o que pode protegê-los e permitir cópias exatas de si
mesmos. Este formato permite que ocorra o armazenamento de informações e um
mecanismo de duplicação. A molécula de DNA numa célula humana possui 10 átomos
de largura e 2 metros de comprimento. Isso é um bilhão de vezes maior que sua
largura. É como se um dedo mínimo fosse prolongado de Londres a Los Angeles. Se
você pudesse estender seu DNA e colocá-los em linha reta, ele se estenderia por 200
bilhões de quilômetros, o que equivale a 70 viagens de ida e volta entre Saturno e o
Sol, e o suficiente para dar a volta ao redor da terra 5 milhões de vezes.
Um DNA não é apenas uma montagem de átomos, não somente um ácido
deoxiribonucleico, mas sim um tipo de texto; os biólogos o estão seqüenciando tal qual.
Afirmar que o DNA é apenas uma química, seria o mesmo que afirmar que os trabalhos
de Machado de Assis são apenas tinta sobre o papel. Trata-se de uma afirmação
verídica, contudo não se afirma tanto.

O DNA transmite sua informação ao resto das demais células, por meio de um
sistema de codificação que é surpreendentemente similar aos códigos humanos, no
quais os registros individuais são significativos. As quatro moléculas que compõem os
degraus da escada de DNA, e as quais os cientistas atribuíram uma letra (A, G, C e T) ,
não significam nada individualmente, elas devem ser combinadas em tríades para que
façam sentido. O código genético contém 64 palavras de letra-tríade, todas quais
possuem significado, incluindo pontuação, travessão e ponto. Estranhamente este
sistema de codificação fora considerado como prova de uma inteligência, até a
descoberta do código genético nos anos 60; até então , considerava-se que somente
os humanos utilizavam códigos nos quais os sinais são significativos. Porém descobriuse
que todas as células no mundo utilizam tal código. Há uma unidade simbólica
significativa em toda natureza.

Para conceber ciência e xamanismo conjuntamente, tive que enxergar inteligência
na natureza, um conceito que os xamãs a muito sugeriram, e que os biólogos
confirmaram em seus recentes estudos, até mesmo dos mais simples organismos.
Tome o mofo do limo physarum policephalum. Esta acéfala criatura unicelular
amorfa normalmente comporta-se como uma massa cintilante de muco que move-se
sobre, e engolfa sua comida – não se trata exatamente de um candidato premiado por
conquista intelectual. Mas esse mofo é capaz de, consistentemente, resolver labirintos.
É um organismo unicelular peculiar que pode crescer ao tamanho de uma mão humana
e pode unir-se, em caso de separação. Quando pedaços de mofo são colocados em
um labirinto, o limo espalha-se e forma um organismo simples que preenche os
corredores do labirinto. Mas quando a comida está posicionada no início e no fim do
labirinto, o mofo afasta-se da bordas e encolhe seu corpo em formato de um tubo, o
caminho mais curto entre as fontes de comida. Ele resolvera o labirinto desta forma,
todas as vezes que fora testado.

Uma visão comum desta inteligência requer um cérebro. E cérebros são compostos
por células. Mas neste caso, uma simples célula comporta-se como se tivera um
cérebro.

No seu significado original, a palavra inteligência refere-se à escolha (inter-legere) ,
e implica na capacidade de tomar uma decisão.

As células em nossos corpos constantemente tomam decisões, respondendo a
uma variedade de fatores elétricos, químicos e táteis, por isso crescem e diferenciamse
de modo coordenado. As células se comunicam umas com as outras de maneiras
consideradas notáveis, que incluem cascatas em dominó de proteínas e uma larga
variedade de sinais com significados tais quais “mantenha-se viva”, “mate-se”, “libere
esta molécula que você tem armazenado”, “divida”, “não divida”. Qualquer célula
recebe centenas de sinais de uma única vez e deve integrá-los e decidir o que fazer.

Os cientistas descobriram que as formigas podem cultivar hortas de cogumelos
com antibióticos; abelhas podem lidar com conceitos abstratos possuindo um cérebro
do tamanho de uma semente de grama; corvos podem utilizar-se de ações
padronizadas de furto; golfinhos podem reconhecerem-se em espelhos; e papagaios
podem dizer o que querem. O velho dogma leva os cientistas enxergarem as
existências naturais como objetos desprovidos de intenção, que Jacques Monod
chamou de “a pedra angular do método científico”, não preenche mais os requisitos da
informação. Além do mais, há claros sinais de inteligência em todos os níveis da
natureza, e os conceitos dos xamãs indígenas podem lançar luz sobre isso.
Até mesmo os vegetais não são estúpidos. Os xamãs amazônicos a muito
consideram certas plantas como “professores”. Agora, mesmo os cientistas estão
começando a reconhecer que as plantas se movem e reagem ao mundo com
inteligência. Por exemplo, uma planta parasita chamada cuscuta move-se ao redor de
si, e ao redor de outras plantas e avalia sua qualidade nutricional. Botânicos
descobriram que a cuscuta avalia corretamente o momento exato de comer, e de
mover-se; estas estratégias de pilhagem possuem as mesmas exatidões matemáticas
dos animais pilhadores. Mas a cuscuta computa a escolha certa entre alternativas
próximas, sem o benefício de um cérebro.

Os xamãs utilizam suas mentes para aprender a respeito do mundo. Eles possuem
técnicas distintas para modificar suas consciências. Afirmam que podem comunicar-se
com outras espécies utilizando uma linguagem indireta e densamente metafórica. Os
espíritos da natureza, eles afirmam, são fundamentalmente ambíguos, gostam e
desgostam, e não podem ser reduzidos a uma simples descrição; isso justifica a
metamorfose ser a única maneira correta para nomeá-los.

A comunicação com inteligências ambíguas da natureza leva ao conhecimento e
poder, que são por si só ambíguos, duplo-facetado, e com uma face negra. E deveria
ser dito que não basta beber ayahuasca para entender o mundo, pois a ayahuasca é
um poderoso alucinógeno, e sua ingestão por parte de usuários casuais envolvem
riscos. Por exemplo, pode modificar sua visão de mundo se o que você vê não é o que
buscava. Por isso, tomem cuidado.

Na Amazônia, os povos indígenas dizem que nós temos semelhanças com as
plantas e animais. Na cosmologia amazônica, humanidade é uma condição que se
refere a todas as existências que habitam o mundo. Não há distinção fundamental
entre humanos e outras espécies. Amazônicos pensam que é possível comunicar-se
com outras espécies no reino das visões. Eles afirmam que os xamãs podem
transformar-se em animais por meio de certas músicas. Os xamãs são transformistas.
Suas almas podem abandonar seus corpos, afirmam, e entrar nos corpos dos jaguares,
por exemplo. Os xamãs tornam-se jaguares em suas crenças.

Esta capacidade de transformação é indicativo da semelhança que conecta os
humanos ao resto da natureza. A ciência agora confirma que a semelhança humana
com a natureza é literalmente verdadeira. A muito tempo atrás , eu tive uma bactéria
por herança. As moléculas do meu corpo são cópias das cópias das cópias, voltando
no tempo muitos bilhões de anos, de moléculas de DNA contidas em bactérias .
Cogumelos, minhocas, girafas e pessoas possuem sobre-transposição de seqüências
de DNA. Cinqüenta por cento dos genes contidos em uma banana possuem
equivalentes no genoma humano. O que não significa que vocês sejam meio-bananas.

Com chimpanzés, a similaridade genética é de 99%. A biologia molecular como um
todo é uma demonstração da nossa semelhança para com as demais espécies. Os
povos animistas e xamãnicos do mundo têm sido destacados por esse parentesco por
milênios, enquanto a biologia contemporânea apenas começou a descobrir sua
manifestação física.

A biologia agora tremúla o duplo helix como sua bandeira, o símbolo de novas
curas. Mas este mote é o mais antigo símbolo da vida e cura no mundo. A escada
transada, duas serpentes entrelaçadas, o axis mundi, o símbolo dos xamãs nos cinco
continentes por milênios.

A despeito destas convergências, a ciência e o conhecimento indígena distinguemse.
Ao redor do mundo, a população indígenas encontra-se em precárias condições .
Na Amazônia, eles obtiveram títulos de terra de extensos territórios, porém,
construções de estradas, colonização, derrubadas, extração de petróleo, e a tentação
do mercado continuam a assombrá-los. Jovens indígenas amplamente encaram a
natureza como uma mentalidade de mercado, rompendo com o entendimento espiritual
das plantas e animais. Há um tempo não muito distante, em muitas sociedades
indígenas, os xamãs habituavam-se a negociar em suas visões pela liberação da caça
com o “dono dos animais”, uma entidade disse desaprovar a caça excessiva e
predatória. Mas, hoje em algumas partes da Amazônia, jovens caçadores indígenas
têm levado grandes mamíferos à extinção em resposta à demanda de carnes raras nas
cidades próximas. Suas aspirações de mercado são tão legitimas como as de qualquer
um. Porém, surgir com alternativas se faz necessário, pois, a natureza deve ser
preservada em sua diversidade.

Em áreas de grande biodiversidade tais quais a Amazônia Ocidental, a
conservação da natureza requer uma mescla da ciência e do conhecimento indígena.
Mas trabalhar na linha de duas formas de conhecimento não é fácil. Há diferenças
metodológicas, conceituais, filosóficas, tecnológicas e financeiras entre os dois
campos. Para os indígenas e os cientistas conversarem entre si, se faz necessário o
desenvolvimento de embasamentos conceituais comuns.

Uma base comum para o conhecimento humano poderia acomodar muitas formas
de saber, e permitir que as mesmas sejam comparadas e utilizadas juntamente. Essa
base comum poderia harmonizar controle e respeito, microscópios e consciências
modificadas, textos científicos e especialistas orais, complicação e espírito,
desprendimento e emoção.

Aprender a trabalhar com conhecimento indígena é como aprender uma segunda
língua. Bicognitivismo, como bilingüismo, é difícil, mas vale, pois leva a outra forma de
enxergar o mundo.

Se a natureza é inteligente, e somos parte da natureza, por que somos tão
estúpidos? Porque somos uma espécie jovem. Nós, homo sapiens sapiens, com nossa
fronte chata e queixo pontiagudo, temos aproximadamente 150.000 anos, segundo os
registros de fósseis e análises de DNA. São somente 7.000 gerações biológicas, que
está próximo a nada para uma espécie. Existiram outros hominídeos antes de nós, os
neandertais, por exemplo, com seus crânios de formato oval, frontes afundadas e
queixos, e corpos atarracados. Nossas espécies co-habitaram a terra com os
neandertais por mais de 100 mil anos. Como nós, os neandertais semearam seu
desaparecimento, fizeram instrumentos musicais e produziram eficientes apetrechos de
caça. Mas eles não sobreviveram. Nossos ancestrais fizeram sofisticadas armadilhas e
desenvolveram instrumentos precisos, não somente de pedra e madeira, mas também
de ossos e cifres. Eles transformaram ossos em agulhas, o que permitiu que
costurassem roupas, enquanto os neandertais provavelmente careciam da capacidade
de fazerem roupas. Isso explica por que eles não sobreviveram à longa era glacial que
ocorreu há 100.000 anos. Nossa grande força é a nossa capacidade de adaptação a
todos os tipos de circunstâncias. Os descendentes de um pequeno grupo de humanos
que deixou a África cerca de 100.000 anos atrás, espalhou-se pelo mundo e o povoou.
Do Ártico ao deserto da Austrália e florestas da Amazônia; eles aprenderam à explorar
as plantas e animais em cada novo meio que entravam. Os humanos possuem um
histórico de longa depredação ecológica perpretada. Espécies que eram fáceis de
caçar tenderam à desaparecer rapidamente, após a chegada dos humanos em
determinada área. O registro fóssil indica isso claramente em lugares como
Madagascar, Nova Zelândia e Austrália. Como leões e lobos, os humanos são
predadores sociais. Os leões e lobos possuem presas e garras, nós temos engenhosos
conceitos que pomos em prática. Somos uma espécie invasora. Nossa formidável
capacidade de adaptação nos torna os mais perigosos dos predadores.
Bem, temos cabeças grandes. Nossos cérebros triplicaram em volume durante os
últimos três milhões de anos. Os primeiros primatas bípedes que foram os precursores
da humanidade possuíam cérebros com um terço do tamanho do nosso. Desde então,
os cérebros hominídeos não pararam de crescer. Porém, a posição bípede e erecta
significava que a pélvis humana deveria estreitar-se, do topo do nosso dorso até a base
da coluna entre nossas pernas. Surge o questionamento: como se pode dar a luz à
crianças com cérebros grandes ao passo que se possui uma pélvis estreita? Sendo
esperto e bípede é uma charada anatômica. As mulheres do mundo pagaram esse
preço: nossas espécies possuíram as maiores taxas de mortalidade maternal durante o
parto. Jovens humanos requerem muitos anos de ensinamento, educação e compaixão
para que seus cérebros alcancem potência total. Os humanos possuem de longe os
mais longos períodos de infância e adolescência; os pais humanos mantêm compaixão
por mais tempo, em comparação aos pais de outras espécies. Somos formidáveis
predadores e temos grandes capacidades de compaixão. Combinamos os contrários;
somos criaturas contraditórias.

Quinze mil anos atrás, nossos ancestrais pintaram na caverna de Lascaux. Foram
somente 7000 gerações atrás. Eles não possuíam eletricidade ou qualquer coisa que
possuímos hoje. E agora, olhe para nós. Ainda somos a mesma espécie, com a fronte
chata e queixo pontiagudo, sem pelos ou rabos primatas, mas agora, equipados de
tecnologia e apontando para o cosmos.

Nossa espécie possui uma trajetória vertiginosa. Para onde estamos direcionados?
Qualquer resposta é especulativa. Mas um olhar no gráfico demonstra que estamos em
uma fase intermediária. Estamos condenados a mantermo-nos evoluindo, contudo,
com o risco de desaparecer. 99,9% de todas as espécies que existiram na terra já
desapareceram. Com referência aos dinossauros, que viveram milhões de anos. Nós
mesmos nos podamos. Mas se fazemos as coisas certas, somos capazes de nos
transformarmos, em semente de biosfera, capazes de transmitir vida. Temos ainda
uma jovem ciência tecnológica que nos permite manipular o DNA, e deixar o planeta
fisicamente. Ainda possuímos o velho conhecimento, que considera a vida como sendo
sagrada, uma chama a ser defendida. Combinar esses dois pólos, conhecimento
tecnológico e velho conhecimento, ciência e xamãnismo, parece ser necessário para a
sobrevivência de nossa espécie.

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente texto... tomei a liberdade de postar no meu blog uma cópia do artigo sobre a pureza do LSD, espero que não se importe...

um forte arbraço,

n.

psione.wordpress.com